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Neopentecostal ou póspentecostal?

Recentemente estive falando com três dos nossos bispos e surgiu uma polêmica interessante. Falávamos do livro O Pentecostal Reformado, de minha autoria com a coautoria do meu filho, Rev. John McAlister. No livro há uma descrição muito resumida das fases do pentecostalismo no Brasil.

Tudo começou com a chegada de pentecostais suecos. Em seguida vieram os americanos, que juntos formaram o que conhecemos como a primeira onda de pentecostalismo no Brasil. Esses são atualmente chamados de “pentecostais clássicos”. Entre eles estão as maiores das denominações: as Assembléias de Deus e a Congregação Cristã. No fim dos anos 50 e início dos anos 60 surgiram os pentecostais da segunda onda. Esses afirmaram as mesmas doutrinas e práticas dos pentecostais clássicos. O que os distinguiu foi a ênfase em cura divina e expulsão de demônios. Não é que os clássicos não cressem nessas práticas, mas a ênfase, muito em função de um certo estilo de evangelismo, distinguiu a segunda onda da primeira. Entre as igrejas que surgiram nessa época se destacam a Igreja Pentecostal de Nova Vida (meu berço), a Quadrangular, a Brasil para Cristo e a Maranata.

A terceira onda se refere ao tão mal falado “neopentecostalismo”. É mal falado com razão para tanto, é claro. Essas igrejas foram muito além da segunda onda e enfatizaram doutrinas como a teologia de prosperidade e uma série de práticas de culto como expulsão aberta de demônios (inclusive com transmissão na televisão), correntes de oração e séries de cultos como Terapia do amor e coisas do gênero. Esse movimento parece que abriu uma dita “caixa de Pandora” e a cada fim de semana uma nova invenção sai desses arraiais: correntes de oração de pdoer, água abençoada, sal e óleo ungido, unção de Manassés e guerra espiritual com mapeamento espiritual e quebra de maldições. Templos cada vez maiores eram construídos e o povo se viu arrebanhado no que apelidei de “supermercado da fé”. Seus líderes são figuras públicas famosas e com acesso até aos mais altos corredores do poder. Não têm o menor pudor em prestar seu púlpito à política partidária, de onde recebem o troco de várias maneiras, tanto em influência quanto em benemeses.

De volta à conversa com os bispos, um deles, o Dr. Roberto Schuler – um estudioso da história pentecostal brasileira – disse discordar categoricamente do termo “neopentecostal”. Como o termo é conhecido por todos como se referindo a essas igrejas, eu simplesmente o empreguei no livro. Mas seu argumento fez muito sentido.

Ele observou que o prefixo “neo” costuma se referir a um movimento de resgate de algo que foi largado e se perdeu na história (algo que costuma ser desastroso, por sinal). O neonazismo, por exemplo, é um movimento que tenta resgatar a história infame do Partido Social Nacional da Alemanha sob a regência de Adolph Hitler. O neopuritanismo tenta resgatar uma série de doutrinas e práticas dos reformados puritanos do século XVIII da Inglaterra, cujo pai seria John Owen, mas que teve representantes notáveis como John Bunyan, Jonathan Edwards e até Charles Spurgeon (considerado o último deles, se não levar em conta o fato de J.I.Packer também ser claramente um puritano de coração).

Longe de ser um resgate, o neopentecostalismo é uma expressão ad absurdum do próprio pentecostalismo, mas com uma clara ruptura de certos comprimissos com a sã doutrina. É um movimento mais pragmático do que bíblico. É claro que o movimento evangélico desde o início do século XX é iminentemente pragmático e nisso reside boa parte do seu desvio, enfraquecimento e confusão. Mas, em resumo (e aqui não quero me deter em detalhes da conversa) os neopentecostais, não sendo um resgate do pentecostalismo, seriam muito mais bem caracterizados como póspentecostais. Em outras palavras, vieram depois e causaram uma ruptura com muitas das máximas do movimento do qual vieram. Essa ruptura é clara pelo conceito que os próprios pentecostais clássicos fazem dos ditos neopentecostais.

Fica então a sugestão (embora sei que se houver consenso sobre isso, ainda levaria anos para adotar tal nomenclatura) de entender a terceira onda como póspentecostal em vez de neopentecostal.

WM

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