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AS PRIMEIRAS COISAS PRIMEIRO – CONCEITOS ELEMENTARES SOBRE COSMOVISÃO (IV) | Por Marcelo Maia

Somos seres religiosos. A inclinação do nosso coração determinará nosso relacionamento ou com o Deus verdadeiro ou com um ídolo.

Com base nessa premissa, podemos facilmente concluir que tudo aquilo que pensamos ou fazemos neste mundo será fruto da nossa religião. Ao examinarmos o conceito de cultura, vimos que esta é a atividade do homem em obediência ao mandato cultural. Vale dizer, um ato religioso.

Como bem se expressou o Pr. Felipe Fontes:

Como ser criado por Deus, todas as coisas que o homem faz possui um caráter essencialmente religioso ou teoreferente, ou seja, se referem a Deus positiva ou negativamente. Em todas as esferas e dimensões da vida: lazer, trabalho, família, ciência, política, economia, relações sociais; as ações do homem são atos de adoração ao Deus verdadeiro, Criador de todas as coisas, ou a ídolos criados pela própria imaginação humana.[1]

Seria possível a atividade científica ou filosófica partir de um ponto inicial não religioso? A razão humana pode ser autônoma e operar sem pressupostos religiosos? Esse é o ponto principal desse artigo.

Herman Dooyeweerd, filósofo cristão holandês, fez a seguinte afirmação: “a autonomia do pensamento teórico tem sido elevada a uma condição intrínseca da verdadeira filosofia, mesmo sem ser justificada por um exame crítico sobre a estrutura interna da própria atitude teórica do pensamento”

Mas, de onde veio essa ideia de que o pensamento teórico pode ser neutro?

Um bom ponto de partida é o filósofo Immanuel Kant. Kant é um dos maiores expoentes do chamado Iluminismo, cujo anseio era libertar o pensamento de suas “amarras” religiosas, tornando a ciência, dessa forma, livre de subordinações. Era uma época em que se proclamava a primazia e a autonomia da razão, dizendo que o homem deveria ousar pensar.[2]

Ocorre que, ao propor a autonomia do pensamento teórico, os iluministas criaram seu próprio ponto de partida dogmático (religioso): a FÉ de que a razão é autônoma.

Herman Dooyeweerd, em seu clássico No Crepúsculo do Pensamento Ocidental, escreveu:

Se todas as correntes filosóficas que alegam estabelecer seu ponto de partida exclusivamente na razão teórica, de fato, não tivessem pressuposições mais profundas, seria possível resolver todas as discussões filosóficas entre elas de modo puramente teórico. Mas a situação factual é bem diferente. Um debate entre tendências filosóficas fundamentalmente opostas entre si em geral resulta em um raciocínio contraditório, pois não são capazes de penetrar até os verdadeiros pontos de partida uma das outras. Estes parecem estar mascarados pelo dogma da autonomia do pensamento filosófico. [3]

Ainda sobre o mesmo tema, leciona o Pr. Fabiano de Almeida:

Na sua crítica transcendental ele (Dooyeweerd) procurou desmascarar a pretensa neutralidade e autonomia do pensamento teórico através de um desvelamento paulatino de suas pressuposições religiosas centrais. Para ele, o surgimento e desenvolvimento de uma cultura, e isto inclui todo tipo de atividade teórica, se daria sob a condução da fé da sociedade, e esta, por sua vez, seria determinada por um “conhecimento religioso central” (os motivos básicos religiosos) que trabalharia como uma “dynamis espiritual” comunitária, cuja direção sempre estaria em apostasia ou em harmonia com a revelação divina.[4]

Podemos concluir, como Nancy Pearcey, em seu livro Verdade Absoluta escreveu:

Todo sistema de pensamento inicia-se em algum princípio último. Se não começa em Deus, começa com alguma dimensão da criação – o material, o espiritual, o biológico, o empírico, ou o que quer que seja. Para usar linguagem religiosa, esta realidade última funciona como o divino, se definimos o termo como uma coisa da qual todas as outras dependem para existir.

Essa pressuposição inicial tem que ser aceita pela fé e não por raciocínio prévio.[5]

Portanto, não há neutralidade possível. Haja vista que nossos pressupostos são religiosos, eles têm origem na fé.

Em resumo, todo pensamento teórico, toda ciência, toda apreciação da realidade parte de pressupostos religiosos. Não há neutralidade: ou enxergamos a realidade conforme Deus a concebeu ou conforme outra inclinação religiosa apóstata.

[1] http://monergismo.com/wp-content/uploads/consideracoes-filosofia-ideia-cosmonomica_f-fontes.pdf.

[2] Devemos este insight ao Pr. Josenildo Santos.

[3] DOOYEWEERD H. No Crepúsculo do Pensamento Ocidental. Brasília, Monergismo, 2018.

[4] http://monergismo.com/wp-content/uploads/dooyeweerd-apresentacao-panoramica_fabiano-almeida.pdf.

[5] PERACEY, Nancy. Verdade Absoluta. Rio de Janeiro: CPAD.

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