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Escola (Dominical) sem partido | Por Gabriel Carvalho

Se você chegou até este texto achando que veria mais uma discussão insalubre sobre política… posso te frustrar. Mas peço uma chance: o assunto que falaremos talvez seja mais importante que discussões políticas em tempo de efervescência partidária. Vamos pensar sobre a origem da palavra “partido”? Oriunda do latim partitus, que significa “dividir, repartir”, ela será usada nesse texto como um substantivo – dessa forma, seu significado encontra abrigo nas definições de “grupo reunido para uma finalidade; facção, bando”. A primeira definição é genérica, positiva até, porém as duas últimas possuem semântica extremamente negativa em nosso contexto social.
Creio que, se perguntássemos a 10 pessoas o que elas entendem por facção, 9 delas remeteriam a grupos criminosos, talvez exemplificando com nomes de facções criminosas que agem em sua localidade. Na Bíblia, vemos em Gálatas 5.20, essa palavra sendo aplicada como uma das obras da carne (na NVI e na Almeida). O termo original, hairesis, denota uma escolha, uma opinião pessoal escolhida e distinta – no NT, sempre aplicada aos grupos que operavam dentro do judaísmo, como os fariseus e saduceus, por exemplo. Oficialmente eles faziam parte da religião judaica, mas passaram a definir novas opiniões e escolhas para si mesmos, por vezes em confronto com o ensino do grupo que seguiam. Dessa forma, a atitude facciosa é expressamente declarada na Bíblia como uma obra da carne.
E quanto à palavra “bando”? Novamente, a ideia presente em nossas mentes a respeito dessa palavra possui conotação negativa, e o dicionário corrobora tal intuição, ao descrever essa palavra como “grupo de pessoas pouco recomendáveis”, ou “tropa indisciplinada”. Quando penso em “bando”, a primeira imagem bíblica que me vêm à mente é o grupo que Davi encontra ao chegar à caverna de Adulão – segundo 1 Sm 22.1,2, tratava-se de toda sorte de pessoas em dificuldades, endividadas e descontentes (com “espírito desgostoso”, segundo a Almeida). O descontentamento e a falta de autocontrole e disciplina constituem elementos básicos dos membros de um bando.
Ora, mas o que isso tem a ver com a Escola Dominical? Que importa isso no contexto da minha igreja? Pois bem, creio que o contexto das classes de ensino na igreja são criadouros com ambiente favorável à formação de facções e bandos na igreja. Da mesma forma que os fariseus e saduceus, ouvi (e testemunhei de perto) grupos que passaram a definir novas posições e opiniões para si, em confronto com a instituição a qual faziam parte – literalmente, como vimos, facção, uma obra da carne – e, em vez de simplesmente saírem (porque ninguém é obrigado a ficar em um lugar que não queira), passaram a tentar “reevangelizar” os demais membros para sua nova forma de ver o Cristianismo, causando inúmeros males à igreja com seu proselitismo sorrateiro e desleal.
É interessante notar que esses grupos possuem os traços distintivos de um bando: aparentemente estudiosos e letrados, é possível perceber sinais de indisciplina (expresso muitas vezes no descaso com o próximo e com o total pisoteamento da noção de autoridade) e falta de autocontrole, além de um espírito perenemente descontente. A nova descoberta nunca será suficiente, pois o descontente sempre quer mais, sempre quer a dose mais forte. E a experiência mostra que isso nunca acaba bem. Bandos não costumam ser duradouros, pois num grupo carnal com espírito faccioso, a possibilidade da criação de novas facções e novos bandos é real e permanente.
Um dos pregadores e teólogos mais brilhantes do século XX, D. Martyn Lloyd-Jones, escreveu um artigo primoroso a respeito do conceito de “ecclesiola in ecclesia”1. De forma resumida, esse conceito que literalmente significa “igrejinha na igreja”, ou “pequena igreja na igreja”, indica uma ideia de formar um grupo menor de verdadeiros crentes dentro da igreja real, para começar a fomentar uma mudança e, então, definitivamente conseguir reformar a igreja como um todo. Um conceito considerado inocente e teoricamente positivo – inclusive utilizado por reformadores – mostrou-se, segundo Lloyd-Jones, sempre um fracasso. As razões do autor para isso são que isso sempre trará ressentimento e oposição da igreja como um todo; além disso, envolve um elemento sectário em essência; em terceiro lugar, há uma usurpação de direcionamento na igreja, em relação à posição de liderança do ministro (pastor) ordenado àquela congregação; muitas dessas tentativas estavam ligadas a excessos doutrinários; e, por fim, muitas também estavam ligadas a orgulho espiritual.
Qual a importância de uma Escola Dominical (e todas as outras classes de ensino) sem partido? O ambiente de ensino da igreja precisa ser um lugar agregador, de pensamento comum, de disciplina, de crescimento mútuo. Acredito que você está na sua igreja por confiar que seu pastor e sua liderança são pessoas comprometidas com o ensino fiel das Escrituras. É uma relação de confiança e maturidade, de entender o nosso lugar, e fazer com que esse grupo ao qual você está conectado para congregar cresça de forma saudável, sem facções, sem formação de bando, mas formando um corpo coeso, com cada membro realizando sua tarefa de maneira exemplar, a fim de que o nome de Cristo seja exaltado em nossas atitudes, e que estas não sejam causa de vergonha, mas de testemunho de um seguidor de Cristo. Por uma igreja sem partido! Deus o abençoe!

1 Disponível em: https://www.the-highway.com/ecclesia_Lloyd-Jones.html ; consulta em 08/07/2019.

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