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De Vingadores a Pecadores | Por Andrew McAlister

Em 2018, o cinema nos deu dois dos vilões mais icônicos dos últimos tempos, ambos do universo Marvel: Erik Killmonger (Pantera Negra) e Thanos (Vingadores: Guerra infinita). O que torna ambos vilões interessantes é que, diferente de outros (como o assombrosamente fascinante Coringa do “Cavaleiro das Trevas” de Christopher Nolan), é o quão legítimas e quase louváveis são as suas motivações. Se por um lado o Coringa de Heath Ledger é caótico e insano pois, segundo Alfred Pennyworth, queria apenas “ver o mundo pegar fogo”, os antagonistas da Marvel têm motivações admiráveis. Thanos queria apenas resolver a questão da superpopulação do universo enquanto Killmonger queria abrir Wakanda para compartilhar da sua riqueza para ajudar outros. Olhando por este prisma, é quase impossível considerá-los vilões.

Ao assistir tanto a sequência de “Vingadores” quanto “Pantera Negra”, não há dúvidas de que eles estão errados. Ou estariam certos? Afinal, a motivação deles não era legítima? De maneira semelhante, há quem diga que em “Blade Runner” de Ridley Scott, dependendo da ótica pela qual você assiste o filme, você considerará o Detetive Deckard o mocinho ou o vilão. Afinal de contas, qual era o pecado dos androides? Eles queriam apenas viver em paz em meio à sociedade. Como podemos atribuir dolo a isso? Afinal, os fins, as motivações de cada um não seriam legítimas? Se passamos a enxergar o ponto de vista dos vilões, até T’Challa e seus antepassados e os Vingadores começam a parecer tirânicos.

Na última semana presenciei quatro cenas que, tragicamente, fazem parte do dia a dia da cidade. Primeiro, um homem para no meio da rua, se posiciona porcamente atrás de um poste, abre as calças e faz xixi no meio da rua. Segundo, uma Land Rover de vidros fumê que impossibilitam identificar o condutor corta uma longa fila de carros pela pista do acostamento. Terceiro, uma senhora no estacionamento do super mercado esvazia seu carrinho de compras ao lado do seu carro e larga o carrinho no meio de uma vaga vazia. No caso, eu estava de olho naquela vaga e a senhora ainda teve a audácia de olhar para mim, olhar para o carrinho, olhar para mim novamente e deixar o carrinho ali antes de entrar no seu veículo e sair do estacionamento. Quarto, uma pessoa passeia com o seu cachorro por uma via em que muitos outros fazem o mesmo. O animal dá uma paradinha para fazer suas necessidades no meio da calçada e, ao final, o outro animal (seu dono) segue adiante deixando para traz os dejetos do seu bicho de estimação, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Em cada um desses casos, minha vontade é de, no mínimo, dizer umas poucas e boas para cada um deles, confesso. Que audácia! Que ignorância! Como é que pode uma coisa dessas?!? Eles não levam em conta quem vem depois? Quem tem que lidar com o resultado das suas ações? Ou, como diria alguém coberto de razão: “Eles não têm o direito de fazer isso!”

Não? Não têm? Por que não? Afinal, como culpar uma pessoa que está apertada e precisa se aliviar urgentemente? Ou alguém que tem hora para chegar? Ou um outro que escolhe economizar suas forças e não devolver um carrinho de compras ou catar os dejetos do seu pet? Afinal, suas motivações não são legítimas? Imagino que se perguntássemos a cada um desses se eles consideram errado o que fizeram, obviamente dirão que não. Se perguntados se estão cientes do que fizeram, para eles, aparentemente, não há nada de errado. A conclusão de cada um deles foi a mesma: meu fim, minhas motivações justificam as minhas ações.

E óbvio que cada um deles deveria ser repreendido e corrigido, desde Thanos e Killmonger até o motorista e o sujeito com seu cachorro. Pois, por mais que suas motivações sejam legítimas (e, de fato, sobre alguma ótica o são) eles não levam em conta as consequências negativas, ou, a dívida dos seus atos. Thanos matou metade do universo. Killmonger quase destrói uma nação. O xixi do sujeito fede e alguém vai cheirar. O motorista toma o lugar de tantos outros que esperaram sua vez. E alguém vai ter que catar as fezes de um cão pelo qual não é responsável. E eu, no caso, estacionei em outro lugar, pois tinha uma fila atrás de mim e alguém veio tirar o carrinho de lá.

Onde quero chegar com tudo isso? Atos geram consequências. Qualquer motivação, por mais legítima que seja, gera resultados que vão além do indivíduo original e afeta todos à sua volta. O fim justifica os meios? Se dissermos que sim, implicitamente legitimamos Thanos, Killmonger e todos os outros que, basicamente, colocam suas motivações acima de tudo e todos.

Ok, Andrew. Entendi. Mas este texto está no blog do IBRMEC, um seminário cristão. E o que o cristão tem a ver com isso?

Pensando ainda na relação entre fins e meios, volta e meia me pego pensando no seguinte: Deus, em sua absoluta e infinita sabedoria e onipotência criou o mundo. Ele criou tudo belo e maravilhoso. Aí Adão vai lá, com suas próprias motivações, e estraga tudo. Deus não podia deixar isso passar em branco. O pecado de Adão cria um rombo que redefine toda a história do mundo, criando um abismo entre Deus e o homem. Como resolver tão grande dívida? E, na mesma moeda que os casos citados anteriormente, o que isso custou? Quem teve que lidar com essa dívida?

Aí que entra a beleza do Evangelho, mas engana-se quem acha que Deus simplesmente apaga essa tão absoluta e intransponível dívida. Não, Deus não deixou barato, de maneira alguma. Ele não apaga, mas sim, de fato paga a dívida. O Pai envia seu Filho, seu único filho, para comprar a nossa dívida de uma vez por todas.

Diante de tão grande ato de amor inconcebível e incomensurável, penso: não tinha outro jeito? Ele não poderia “deixar barato”? Afinal, Ele é Deus! Ele criou tudo, definiu e rege toda a ordem natural das coisas! Se tem alguém que poderia “cortar caminho”, alguém com as motivações mais legítimas e louváveis imagináveis, é Deus! E Ele que é o Pai amoroso, justo e perfeito escolheu não cortar caminho algum, pois o único meio pelo qual Ele poderia alcançar o fim desejado era esse. E se você duvida disso, você questiona a decisão de Deus.

E então… os fins justificam os meios? Bem… se considerarmos essa hipótese, se colocamos nossos fins acima das consequências que eles geram para outros, nos colocamos num lugar em que nem o próprio Deus de todo o universo se colocou.

Portanto, nós como cristãos, como mordomos da generosidade de Deus conosco
não temos direito algum de reivindicar o que quer que seja em nome de uma
motivação ou fim em detrimento de outros.

Como viver num mundo em que cada um justifica seu pecado e seus fins? Penso naqueles que estão no poder e arrecadam milhões para si enquanto milhares morrem na fila dos hospitais. Penso no sujeito que se alivia na calçada ou que dá uma fechada e fura a fila no trânsito. Essencialmente, o pecado faz com que cada um busque sua própria ótica, se coloca como narrador de uma história onde ele, em vez de ser o vilão que de fato é, inverte o roteiro para se disfarçar de herói. E numa sociedade em que cada um é o herói da sua própria narrativa, como esperar um enredo diferente? O pior é que ainda me espanto com a maldade dos homens e tenho vontade de pegar a cara de cada um deles e esfregar nos dejetos deixados para trás. Por outro lado, que diferença isso faria? Enquanto um mundo de indivíduos se enxergar como deuses e heróis, eles amontoam sobre outros seus dejetos, insensíveis ao cheiro pútrido que invade toda a nossa existência.

Mas será que podemos culpá-los enquanto, no seu lugar, cada um de nós faria o mesmo? Isso se já não o fazemos.

Que esperança temos em meio a esse caos generalizado? Somos, de fato, os vilões. Mas engana-se mais ainda quem se coloca no lugar de Thanos ou Killmonger, uma opção light e menos perversa de vilão. Estamos mais para o Coringa mesmo, nos deliciando com o fogo que se alastra à nossa volta, mesmo que não o reconheçamos.

A única esperança para este mundo caído é Cristo, aquele que nos leva a enxergar nossa real condição pecaminosa e vilanesca num mundo criado por Ele. E enquanto este não conhecer a Cristo… bem, aí não adianta esperar algum outro herói, porque ele provavelmente está ocupado defendendo o enredo dele. Enquanto não enxergarmos o quão grande é a nossa ofensa contra um Deus infinitamente santo e imaculado, não poderemos esperar nada de um mundo que, como porcos na lama, faz morada e celebra sua imundície. Enquanto tentarmos advogar em legítima defesa, continuaremos tão vilões como o mais perverso e sádico deles. Somente quando enxergamos e pregarmos Cristo é que poderemos esperar algo diferente.

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