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A Igreja é nossa mãe

A ligação forte dos cristãos com a igreja institucional é um conceito que em muito foi perdido no Brasil de nossos tempos. Afinal, somos livres agentes da fé. Somos consumidores de ministérios. Somos frequentadores da igreja da nossa escolha. Pertencemos só em parte. Vivemos uma nova onda de desigrejados, pessoas que confessam Cristo como Senhor e Salvador, mas se sentem perfeitamente confortáveis em não pertencer a qualquer igreja, porque “a instituição não presta”. Vamos pensar um pouco sobre isso, pois o que muitos não enxergam é que a ligação estreita com a igreja é, consequentemente, uma ligação estreita com Deus.

No capítulo 11 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, o apóstolo escreve sobre a maneira certa de celebrar a Ceia do Senhor, pois alguns estavam desprezando os seus irmãos. Especificamente, os que tinham mais recursos financeiros não compartilhavam sua refeição com os mais necessitados na hora de sentar à mesa. Uns passavam fome, enquanto outros se fartavam. A comunhão dos santos sofria. Como uma chaga aberta, a divisão nascida de preconceito, diferenças sociais e uma total ignorância quanto à natureza da verdadeira comunhão cristã ficou exposta. Paulo disse que, na hora da Ceia, a comunhão sofria o escrutínio do próprio Senhor, pois, por alguns celebrarem dessa maneira, literalmente se tornavam réus do Corpo e do Sangue. Eles vinham debaixo da justa condenação do Senhor. Por isso uns andavam fracos e doentes e alguns dormiam (uma alusão constante à própria morte e, nesse caso, morte espiritual).

Ele escreve: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei”. O que recebemos do Senhor sempre vem por intermédio de alguém que nos precedeu. O repasse histórico certamente atesta a vital e inegável importância da igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois é a igreja que Paulo chama, “…[a] igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade” (1 Tm 3.15b). De geração em geração, a igreja é, e sempre será, o Corpo de Cristo. Literalmente, após a sua ascensão, Jesus foi dado à igreja (“eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”). Na primeira carta aos Efésios, Paulo afirmou, “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância” (Ef 1.22,23).

Em meados do terceiro século, o Bispo de Cartago, Cipriano, se viu no meio de uma das maiores controvérsias da sua geração, se não a maior. Havia um grupo que tinha abandonado a igreja, os lapsi. Por causa da perseguição romana, muitos tinham renunciado sua fé, com medo de perderem as suas vidas, enquanto outros ficaram fiéis à igreja e, consequentemente, foram duramente perseguidos. Quando a perseguição abrandou, muitos queriam voltar, mas Cipriano insistiu que isso só seria possível mediante fervoroso arrependimento. Outros bispos simplesmente os acolheram sem muitas exigências. A atitude “severa” de Cipriano se deve ao fato de ele ter um conceito extremamente elevado da igreja e da comunhão dos santos. Chegou a dizer a frase pela qual muitos se lembram dele: “Ninguém pode ter Deus como Pai se não tiver a igreja como mãe”.

Isso nos remete novamente à questão dos desigrejados. Estão feridos, é claro. Mas, ao ouvir muitos falarem, tuitarem e blogarem, não ouço tanto as feridas quanto ouço uma afirmação da superioridade do indivíduo que pode muito bem achar seu próprio caminho, obrigado. Afinal, temos a Bíblia! Temos uns amigos, com os quais podemos nos reunir para orar, se assim quisermos. Não precisamos de hierarquias, títulos, credos, liturgia ou qualquer emblema eclesiástico. Os que andam debaixo desses “jugos” seriam simplórios, patéticos e merecedores da condescendência alheia.

Mas, muito mais do que ouvir essas vozes, é preciso voltarmos a atenção para a imutável Palavra de Deus. O autor da carta aos Hebreus escreveu: “Temos, pois, um grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada e tendo os nossos corpos lavados com água pura. Apeguemo-nos com firmeza à esperança que professamos, pois aquele que prometeu é fiel. E consideremo-nos uns aos outros para incentivar-nos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia” (Hb 10.21-25).

Paulo, por sua vez, discursou exaustivamente sobre a dinâmica da unidade, frente à diversidade, em 1 Co 12. Chegou a dizer que podemos até negar que sejamos membros uns dos outros, mas isso não muda o fato de que o somos. E, como membros, dependemos uns dos outros. Ele escreveu: “Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro deste corpo” (12.27). Poucos versículos antes ele diz que Deus “estruturou o corpo”.  Sim, é Deus quem nos coloca no lugar certo, para que sejamos edificados e para que contribuamos com a edificação de todos.

Calamitosamente, vivemos dias de falência espiritual. É certo que isso acontece entre as paredes de muitas igrejas. Paradoxalmente, no entanto, nunca foi tão urgente a reafirmação da absoluta e crucial necessidade da Assembleia dos Santos. Nunca foi tão vital promover uma renovação de devocionalidade coletiva dos santos em Cristo. Nunca foi tão urgente uma valorização do ministério – os dons concedidos por Cristo (Ef 4) para preparar os santos para a obra do Senhor, promover a unidade da fé, até que todos cheguem à plena estatura de Cristo. Isso tudo para que não sejamos como crianças jogadas de um lado para outro por toda sorte de doutrina falsa. Ah, sim. As doutrinas que inundam os nossos tempos estão afogando os que insistem na sua astuta independência dessas estruturas que consideram “arcaicas”, “anacrônicas”. Os que se veem tão esclarecidos estão, na verdade, dando um tiro no próprio pé.

Sou um homem da igreja, é verdade. Sei de tudo o que pode dar errado nela. Já observo, há muitos anos, os muitos desvios e equívocos das lideranças, como falei no meu livro O Fim de Uma Era. Creio que o paradigma atual de igreja evangélica esteja prestes a falir. Mas creio que Cristo edifica a sua igreja, e que nem os portais do inferno prevalecerão contra ela.

Para os que fazem objeção, dizendo que o templo não é a igreja, eu digo: estão absolutamente certos! Onde está a igreja então? Onde dois ou três estão reunidos em o nome de Jesus. Se for num templo, ali é igreja. Agora, ignorar 2 mil anos de sabedoria, liderança, exemplos, heróis da fé, estudos, martírios e lições aprendidas, achando que chegou a hora de andar sozinhos e reinventar a roda é um erro fatal da nossa geração. Fica o meu alerta. Aos que estão feridos, meu coração dói por cada um, mas ainda digo: precisam de uma boa igreja. Aos que estão com raiva, ou, pior, que se sentem superiores a tudo isso, recomendo: cuidado, pois a soberba precede a ruína.

Faço dos sentimentos de Cipriano os meus. Deus é o meu Pai. O Senhor é o meu pastor e nenhum pastor é o meu Senhor. Mas, em tudo isso, reconheço que a igreja é a minha mãe – isto é, a base e a coluna onde tem sido preservada a verdade.

Na paz,

+W

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  • Bispo,
    A paz do Senhor Jesus!
    Conheci seu blog por intermédio do Maurício Zágari! 🙂
    Tenho uma dúvida: a questão de não “abandonar o barco” tem há algum tempo me intrigado. Pois estou em uma igreja que adota como metodologia o modelo G12, o que eu, ainda não consegui me adequar. Acabo vivendo algo que não acredito e peço a misericórdia de Deus caso eu esteja errada. Não sei se continuo ali, se este é o “lugar certo” que Deus me colocou ou se rumo para outra igreja, sabendo que não há perfeição, sabendo que tenho que reter o bem. A questão é justamente essa: há ressalvas quanto a permanecer dentro de um “determinado barco”? É prudente criar raízes na instituição que por vezes aceita e ensina algo que não tem base bíblica? Confesso que não sei mesmo a resposta, o que sei é que não quero desigrejar. Ele não desiste da igreja, quem sou eu para fazê-lo? Obrigada pela atenção. 🙂

  • Jacy,
    Já ouvi de inúmeras pessoas a sua história de terem sido forçadas a deixar a sua igreja por causa dos efeitos, ensinamentos, e práticas do modelo G12. Saíram de coração partido. Mas, uma vez que o modelo se alojou na sua igreja, se viram sem opções para ficar.
    Deixar uma igreja não é fácil. Mas, é importante lembrar que há momentos nos quais se torna necessário. O que mais me preocupa é ver pessoas abandonarem o conceito de Igreja. Condenam a todas por causa de problemas com uma ou outra. Claro que é mais do que possível encontrar muitas igrejas complicadas. Tem horas que parece que pego todos os sinais fechados no meu caminho. Nestas horas parece que passo mais tempo esperando o sinal verde do que realmente dirigindo. Há pessoas que dão azar neste sentido. São feridas numa sucessão de más experiências com igrejas. Mas isto não quer dizer que não existam.
    Se não tem como ficar, no entanto, ao sair tem que levar certas coisas em conta. É preciso achar um lugar onde você pode congregar. Fiz um vídeo a este respeito (postei neste site). É curto e recomendo que veja. Só levará poucos minutos. Mas, creio que poderá norteá-lhe.
    Não estou lhe dizendo que tem que sair. Entenda. Mas estou dizendo que, se o seu caso for igual a de inúmeras pessoas com quem já falei, então terá que sair e logo achar uma boa igreja. Tudo regado de muita, mas muita oração. Deus é fiel e lhe dará direção.

  • Amém! Obrigada bispo! É complicado mesmo. Vou assistir o vídeo com carinho e orar muito para Deus me dá a direção a seguir.
    🙂 Deus lhe abençoe.

  • Ferida abertas, desmotivação, não aceitar a forma de governo eclesiástico são algumas das questões que tem tirado o foco de cristãos. Tenho observado que a consequencia é uma geração de cristãos doentes. Mas qual foi o motivo dessas consequencias? A falta de preparação de sacerdotes para discipular e apascentar. Verdadeiramente uma geração imediatista foi plantada. A espiritualidade foi trocada pela competição de bens. O corpo esta doente. Como resgatar? O artigo descrito pelo Bispo Walter mostrar o presente momento da igreja, mas também mostra o passado promissor que precisa ser resgatado. Como nós cristãos iremos viver um futuro apontado para os pais da igreja, para essência? A chave é discipular, plantar em raízes verdadeiras os cristãos da nova geração. É um trabalho árduo mais é gratificante.

  • … Agora, ignorar 2 mil anos de sabedoria, liderança, exemplos, heróis da fé, estudos, martírios e lições aprendidas, achando que chegou a hora de andar sozinhos e reinventar a roda é um erro fatal da nossa geração. Fica o meu alerta…

    Existe algum exemplo de isto ter acontecido para que seja afirmado que é um erro fatal? Gostaria de saber qual o exemplo.

  • Adilson,
    Ótima pergunta. Um dos exemplos mais claros que vemos, em nossos tempos, é a volta de antigas heresias. Hoje são vistas como novidades e, como tal, avaliados como válidas e merecedoras de crédito. Universalismo, teologia processual, e a secularização da igreja e da sua missão são coisas do arco da velha. Mas, por vivermos numa geração que não conhece a história da teologia, inúmeros jovens pensadores estão descendo a ladeira de teologias que já dividiram igrejas, e destruíram a fé de gerações. Em Princeton, no início do século 20, quantos filhos de pastores foram matriculados para se prepararem para o ministério. Estudando o liberalismo voltaram agnósticos sem fé em mais nada. Este mesmo liberalismo está se alastrando hoje em forma de questionamentos sobre a inerrância das Escrituras, e trazendo de volta todo um evangelho social. Trágico.
    A venda de milagres acha referências na época da venda de indulgências que foi exatamente o problema que levou Lutero a fazer o seu protesto na porta da igreja de Guttenburgo. Comprando sal grosso, óleo ungido, etc… em pouco difere de venda de salvação mediante uma contribuição à construção da Basílica São Pedro em Roma.
    Isto só para dar dois exemplos mais gritantes.
    Obrigado pela pergunta. Ótima.

  • Bispo,

    Espero não ser inoportuna, mas pegando carona no cerne deste post, peço que o sr. se pronuncie, dê sua opinião, sobre uma situação que estou de forma quase direta presenciando na igreja: uma pessoa próxima a mim está extremamente confusa quanto aos dons, em especial o falar em línguas, porque tem sido constantemente ensinada sobre a importância de ser “batizada no E. S.”. Para a liderança ser batizado no E.S = falar em línguas. Se não tiver esta “evidência” não é batizado e ponto e portanto, fica impedida de exercer qualquer obra/ministério dentro da igreja local . Bispo, confesso que nunca falei em línguas e as vezes fico confusa com relação ao derramar do E. S. sobre os homens. Como identificar? O apóstolo Paulo alertou a igreja sobre a supervalorização deste dom em questão, portanto, é imprescindível tê-lo? Como buscar? Enfim, perdoe-me por trazer esta temática aqui, mas não encontrei no site nenhum tópico com este assunto. rsrs Paz. 🙂

  • Jacy,
    Entendo. Eu acabei de gravar um vídeo sobre o que é o Batismo no Espírito Santo. É a orientação da liderança da Nova Vida. Acho que vai ajudar a responder as suas perguntas. Mas creio que línguas seja um dom que nem todos vão receber. Creio também que o Batismo se refere ao novo nascimento. O vídeo vai explicar. Fique ligada. Na paz.

  • Amém! Creio exatamente assim :” …línguas seja um dom que nem todos vão receber. Creio também que o Batismo se refere ao novo nascimento.”
    Obrigada, Bispo! Vou assistir o vídeo! 🙂 Paz.

  • Eu creio assim, porém, por vezes somos ensinados na contramão da Bíblia, o que confunde as vezes. 🙂

  • sabe bispo o que me entristece é o fato de muitos saem da igreja apontando varios defeito uma hora é o pastor ou a esposa do pastor ou o irmão fofoqueiro etc…..saem feridos magoados vai para outra igreja é a mesma coisa ai ele desisti e vai pra frente da televisão assistir culto assim dizendo prefiro assim longe de intriga e confusão recebo minha bença a minha familia é abençoada e pronto e muitas outras besteiral que se ouve. ai eu pegunto oque esta acontecendo será que essas pessoas tem consciencia do que esta acontecendo ou finge ñ saber?

  • Angela,
    É claro que muitos estão confusos. Poucos estão enxergando este quadro com clareza. Foi por isso mesmo que fiz este post: para mostrar que é fundamental continuar a procurar uma igreja sadia e segura. Elas existem.
    Agora, ninguém frequenta a TV. Isto é um erro fatal. Eu entendo que há pessoas que são impossibilitadas de sair da própria cama, por invalidez ou algo semelhante. Mas a regra que nos faz bem, traz saúde para os nossos ossos e promove crescimento espiritual é achada na assembleía dos santo.