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O equívoco mortal sobre Deus

OK. Alguns estão frustrados comigo. Querem que eu ou me comprometa com uma posição ou que saia em defesa rasgada da mesma – ou ainda os dois. Mas, neste assunto, como em qualquer outro, temos de entender as regras do jogo, ou pelo menos as regras de engajamento. Quando alguém propõe um debate, tem que haver um moderador. Tem que haver regras. No mínimo, os dois lados precisam entrar em acordo sobre o que certos termos significam. Senão podem usar as mesmas palavras para dizer coisas absolutamente diferentes.

Nós temos dificuldade em falar sobre Deus. Como já falei, Ele é infinito e inescrutável. Então como falamos dele? Falamos dele nos termos que Ele definiu. Ou seja, falamos dele de acordo com a revelação de si mesmo, que ele, misericordiosamente, nos fez. Sim, Deus se revelou. Como disse em Hebreus 1.1-3, “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo. O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa.” (NVI)

Veja que na última cláusula da última frase há algo que raramente notamos. Deus sustenta tudo pelo poder da sua palavra. Permita que tente desembrulhar essa frase. Muitos ainda hoje pensam, de certo modo, como os deístas do século 18. Acham que Deus fez o mundo e foi embora. Ou acham que Deus fez o mundo e assiste à sua criação de fora. Ou ainda, que Deus fez o mundo e interage conosco como alguém que esteja de fora, adentrando a nossa esfera de vez em quando. Seja por abandono, à distância de um espectador, ou como visitante ocasional, vemos Deus como estando “fora” da sua criação. Ele seria assim distante e temos de tentar fazer uma ponte entre ele e nós. Claro que Ele fez esta ponte em Cristo. Mas, mesmo achados pela graça de Deus, continuamos a pensar que temos de invocá-lo, pois Ele está longe daqui, de onde vivo, de onde trabalho. Nada poderia ser mais contrário a essa simples afirmação que citei de Hebreus. Literalmente, Deus sustenta tudo pelo poder da sua palavra.

Tente pensar nessa questão assim: uma lâmpada elétrica fica acesa porque a sua tomada está ligada a uma fonte de energia. A sua luz não existe por si só. A sua luz é sustentada pela fonte. Se a luz fosse desconectada da fonte, então ela apagaria. Nada mais simples.

O que não é simples é entender que TODA a criação é uma expressão do poder da palavra de Deus, no sentido que, se o universo ficasse desconectado de Deus por um instante, ele deixaria de existir. Não vamos confundir isso com a filosofia oriental panteísta que afirma que tudo é Deus. Não é isso. O que estou descrevendo é uma visão rigorosamente bíblica de que o universo vive dependente do poder, da vontade e da Palavra viva de Deus para existir – e para continuar a existir. Tudo que é, o é porque Deus assim o deseja e continua a desejar. Tudo opera, cada pássaro voa, cada grão de areia, cada fio de cabelo, cada ventinho que sopra existe porque o universo como o conhecemos está sendo sustentado por Deus.

A nossa dificuldade de entender isso distorce completamente nossa maneira de entender certas passagens da Bíblia. Se imaginarmos Deus como um ser fora do universo, sua interação conosco torna-se de ação e reação, de causa e efeito. Agora, se tudo que é, e tudo o que ocorre, é sustentado por Ele, então a imagem de Deus como o oleiro ( Romanos 9) que faz o que quer com o barro (que somos nós) começa a fazer mais sentido. Nossa leitura das Escrituras começa a se expandir. Em vez de ver a Bíblia como um manual de comportamento, vemos a Bíblia como a revelação de quem nos tem na palma da sua mão, literalmente.

Isso é vital. Quem entende o que acabou de ler vai ter que dar uma pausa, tomar um cafezinho e pensar direito. Pois essa percepção muda tudo. Meus posts não serão a defesa pontual de uma doutrina (no caso, a da predestinação), embora eu pretenda tratar dela com detalhes. Mas, antes que possamos olhar os detalhes, temos de entender o que cerca estes detalhes.

Vejo muitas pessoas atirando versículos para lá e para cá em defesa de suas crenças. Vejo muitos se digladiando com o que Calvino ou Armínio falaram. Vejo muitas frases-feitas desfilando pelos tweets e posts da Internet. Mas, vamos que vamos, este assunto é de uma beleza e de uma grandeza que merece muito mais reflexão e aprofundamento do que temos dedicado a ele. É o que pretendo fazer. Continuamos a refletir. Prometo continuar no próximo post. Quando ao chegarmos ao final desta série sobre calvinismo, (que tange, essencialmente a predestinação e eleição) você poderá reler na sequência e ter um encadeamento de ideias que será muito produtivo para suas reflexões, tenho certeza.

Na paz,

+W

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  • obrigada bispo tai algo que eu gostaria de saber de ler e ouvir, é facil enviar versiculos ou ler mas isso que o senhor escreveu tem sentido vai muito mas alem estou lendo e relendo e dando gloria a este nosso Deus!

  • Tenho acompanhado com apreço a sua série sobre Calvinismo propriamente dito e, até mesmo os posts acessórios (Como “A Tulipa da Discórdia e esse ao qual comento).

    Embora sejam extremamente didáticas suas exposições, uma dúvida tem pairado ao final delas (derivada, provavelmente, do meu pequeno conhecimento teológico):

    -> Aonde se encaixa o pecado nisso tudo?

    Se Deus É, e tudo controla/determina, é correto dizer que até mesmo o pecado cometido pelo sujeito após a conversão seria uma – espécie de – ordem do Soberano?

    Do contrário, se Deus não determina o pecado, então pressuponho que o ser humano de fato tem uma certa liberdade de atuação (a de pecar e ‘teoricamente’ se afastar de Deus (embora, conforme o texto acima exposto, isso seja impossível)).

    Esse é o problema que vem permeando meu limitado conhecimento.

    Gostaria, se possível, de algum esclarecimento sobre o assunto.
    Sem mais, deixo meu incentivo para que o Bispo continue com essa série, pois tem servido de aprendizado e reflexão incríveis.

  • Concordo plenamente com a sua linha de entendimento…
    Acredito que Jesus é o verbo e que como todo o verbo expressa uma ação, estamos totalmelmente dentro de um projeto de Deus Pai. E este projeto prepara a vida do homem escolhido por Deus para uma eterna salvação, independentemente das suas limitações. Por outro lado determina que haverá um juízo também eterno para os que negligenciarem a grande oportunidade de Deus Pai para com a vida do homem desde a criação: O VERBO JESUS. (Embora nunca tenha visto uma frase completa sem a ação do verbo…)

  • Luiz,
    Excelente pergunta. A dúvida quanto à origem do mal é central tanto na apologética, quanto nesta questão da soberania de Deus. Deus criou seres limitados. Isto parece óbvio. O que não é óbvio é que por serem limitados, sua bondade também o era, pois ninguém é capaz de ser eternamente bom, pois teria que existir desde a eternidade. Aqui mora o mistério da presciência de Deus sobre a necessidade de um salvador, “O Cordeiro imolado desde a fundação da terra” (Apoc.13.8).
    Uma vez que a humanidade desobedeceu a Deus, ela passou a ser escrava do pecado, que adentrou o mundo por meio desta mesma desobediência. Romanos 7 diz que nós fomos vendidos como escravos ao pecado. Romanos 5 diz que por um homem o pecado entrou no mundo, mas que nós todos pecamos. O pecado escraviza, e foi para esta escravidão que nascemos. Todavia, aprouve a Deus salvar alguns (Romanos 9). Todos merecem, e o fato dele salvar qualquer um de nós é um mistério. Agora, não é Deus que nos fez pecar. Nem tampouco, ele fez Adão desobedecer. Mas ao criar uma criatura de livre arbítrio, mas que não teria nele as qualidades de virtude eterna, Deus teve que nos criar com o claro objetivo de demonstrar tanto a sua justiça (em vasos de desonra) quanto a sua misericórdia (em vasos de honra). Como o Oleiro, descrito em Romanos 9, ele tem, teve e sempre terá o direito absoluto sobre a sua criação – não nos devendo nada, pois tudo de bom que ele nos faz é pela graça somente.
    Tudo se volta para a glória de Deus, até a desobediência de Satanás e da humanidade. Mas isto não quer dizer que Deus opera o mal. Faz parte do seu plano e propósito final, mas não da sua vontade expressa.
    Então, ele não nos faz pecar. Isto é fruto da nossa natureza corrompida pela primeira desobediência de Adão.
    Espero que isto ajude. Na paz

  • Exatamente isso, Deus abençoe, continue. 🙂

  • Ao visitar seu face hoje e ler o que tem sido postado ultimamente, fico feliz por perceber que há uma sintonia do Espírito com aquilo o que tenho lido, refletido e postado no meu mural.
    Acho que é isso… fiquei feliz.

  • Muito obrigado Bispo.
    Esclarecedora a resposta.
    A Paz

  • Bispo Walter…
    Estou acompanhando a série de postagem em postagem e gostaria de lhe parabenizar pela presteza no esclarecimento de questões que há muito permeiam os debates nos seminários, escolas dominicais e corredores…
    Porém, algo ficou em suspenso para mim: Onde estaria enquadrado dentro deste plano, o Inferno? Ele seria (por associação, embora eu entenda que esse raciocínio é um tanto quanto simplista) fruto da vontade de Deus para o cumprimento deste plano de salvação?

  • José,
    Separação de Deus para toda a eternidade é e será, de longe, infinitamente pior do que todas as nossas idéias sobre o inferno. Quando no juízo final ele disse, “longe de mim”, os condenados serão expulsos para um lugar onde há choro e ranger de dentes. A Bíblia fala de um lugar preparado para Satanás e os seus anjos, e que os que rejeitam o Filho serão condenados para este mesmo lugar. Será uma expressão eterna de um Deus eternamente justo. É assim que eu compreendo esta doutrina.

  • bispo hoje em dia o que é menos pregado nas igrejas é a palavra de DEUS como ela é .estão falando muita coisa e deixando para trás o verdadeiro proposito da igreja na terra. que é a SALVAÇÃO DAS ALMAS PERDIDAS.pretendo participar mais dos assuntos direcionados pelo senhor para que possamos aprender cada vez mais . um abraço

  • Tem sido muito proveitoso ler e ouvir os ensinamentos contidos neste espaço. Aqui tenho tido a oportumidade de refletir, desconstruir e recontruir meu entendimento sobre as Escrituras Sagradas. Também tem despertado uma vontade imensa de estudar de forma mais sistemática a Palavra de Deus.
    Obrigada por tudo,
    Soraya Barros