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Lobos que rosnam, uivam e me arranham por dentro

Estresse é o mal do nosso século. Aliás, acho que já estamos dentro um segundo século de estresse, pois foi no século 20 que a palavra passou a ser usada largamente. Estresse é uma patologia que nasce de algo absolutamente sadio. Todo ser humano tem o instinto de sobrevivência. É o tão chamado instinto de “correr ou lutar”. Ao depararmo-nos com perigo, instintivamente avaliamos as nossas chances de sobreviver. Se concluirmos que temos uma boa chance de fazê-lo lutando, a adrenalina nos leva a cerrar os punhos e reagir. Se o adversário for visivelmente superior, nosso instinto nos levará a fugir. Seja nossa opção a de correr ou lutar, uma coisa é certa: vamos sofrer uma “overdose” instantânea de adrenalina. Não é algo que acontece de modo lento e ponderado. É um instinto “animal”, por assim dizer.

É uma reação química que não nos faz muito bem, se tivermos que sofrê-la com frequência. Soldados em campanha militar sofrem disso. Pilotos de corrida sofrem também. Mas o sofrimento dura enquanto houver a percepção de conflito e a necessidade de reagir à altura. Seja uma ultrapassagem na pista ou um tiro certeiro para não ser vítima do inimigo, a reação química é razoavelmente igual.

A vida é uma luta. É claro que é. Vivemos num mundo amaldiçoado por Adão. Ele desobedeceu a Deus. Sua desobediência introduziu o pecado e a morte no mundo. Entre as consequências diretas da sua desobediência e o castigo de Deus, nossa vida, ou seja, a vida de todos os seus descendentes, ficou complicada. Sim, porque “pelo suor do nosso rosto” ganhamos o pão de cada dia. Tudo milita contra nós neste mundo. Do trânsito ao elevador que nunca vem, do eletrodoméstico que chegou com defeito e a loja que teima em não retificar a situação com agilidade à gripe que nos sobrevém quando estamos finalmente pegando aquele ritmo de exercício diário… a vida é complicada. Vivemos a lutar com circunstâncias, com as nossas próprias insuficiências, com os concorrentes leais e desleais. Enfim, com a vida.

Essa luta não se apresenta subitamente, como é o caso que provoca o instinto de correr ou lutar. É uma luta que, de modo maior ou menor, nos assola diariamente. Ela também provoca o nosso sistema a se armar de adrenalina. Só que, ao invés de ser uma enxurrada súbita, é um pinga-pinga que eleva o batimento do nosso coração, endurece as artérias, tira o nosso sono, nos dá acidez estomacal e dores de cabeça. Alguns dos revezes e desafios são enfrentados ao longo de um tempo, aparentemente interminável. Quantos problemas sofremos sem um horizonte de solução? É a resposta à entrevista de emprego que nunca chega. É o vestibular que está no horizonte, potencialmente abrindo uma porta para o nosso futuro – ou não. É um vizinho com quem estamos brigando porque o vazamento no seu banheiro fez o nosso teto desabar e agora ele não quer pagar pelo conserto. Dá vontade de gritar! Frustração e adrenalina. Não há quem aguente.

Essa adrenalina casada à minha natureza pecaminosa faz com que os “lobos uivem no meu peito”. É uma dor. É uma inquietação insuportável. A alguns são receitados Rivotril para abater a tempestade. Outros recorrem ao álcool. Ainda outros simplesmente gritam com os seus filhos e maltratam a esposa. Se jovens, ligam o som de uma música bem pauleira para tentar extravasar e soltar o lobo que uiva no seu peito. Os que foram bem discipulados oram. Mas até esses não oram sempre que é necessário fazê-lo.

Como seria melhor ter carneirinhos passeando no meu peito. Sentimentos fofos e pacíficos massageando a minha mente e o meu sistema linfático e gástrico. Ah, que paraíso seria. Uma vez tendo ultrapassado os 50 anos de idade, começo a compreender o que meu pai sempre me respondia quando lhe perguntava o que queria na vida. Ele se limitava a dizer: “Paz, meu filho, paz”.

Se tivesse os carneirinhos eu seria um místico tal qual Francisco de Assis. Poderia correr pelos campos falando com “irmão sol e irmã lua”. Coisa de monge mesmo. Mas faz quase 35 graus lá fora. O meu carro está na oficina. Meu vizinho teima em parar o seu automóvel na minha vaga e “ninguém me entende”. Os lobos uivam. Quero bater em alguém.

Mas são os lobos que me lembram do quanto preciso da graça de Deus. São esses lobos que me lembram de que não sou um vaso de prata nem de ouro, mas de barro. São os lobos que me lembram de que sem misericórdia divina vou me destruir e não chegarei ao descanso eterno. Odeio os lobos. Confesso. Fazem parte de mim. Mas os odeio. Não aguento a mim mesmo quando começam a uivar. Mas é o som deles que me faz apegar-me mais e mais a Deus. Agarro-me a Ele. Quando oro derramo lágrimas amargas de um pobre pecador. Sei que preciso de um salvador e sempre vou precisar dele, até que venha me buscar.

Como eu queria ser alguém mais pacífico, mas dócil, mais calmo. Consigo manter a calma, mas isso não quer dizer que os lobos não estejam ali, rosnando, uivando, e me arranhando por dentro. Sou normal? Diga-me você.

Na paz,

+W

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  • Bispo, entendo essas declarações como um desabáfo.
    Como supramencionado, somos seres humanos pecamisosos.
    Nosso temperamento estará sempre volúvel, mais temos DEUS como nosso refúgil
    e equilíbrio. GRAÇAS porriso.
    Fique na graça bispo.

  • Ajuda a gente a se entender…obrigada Bispo.

  • É amado Bispo, creio que seja normal também… to com estes lobos aí dentro de mim. Todos têm, não é mesmo?! E ainda eu me atrevo a dizer que alguns tem até lobos disfarçados de ovelhas, pois conseguem na hora “amansá-los” quando na realidade ao virar as costas, mostram sua verdadeira identidade.
    Compartilho e entendo perfeitamente das tempestades, dos uivos, dos rosnados no interior.
    Que a Graça e a misericórdia, o perdão e paz do nosso Salvador, nos preencha. Amém.

  • O Sr. é normal Bispo! rsrs
    Está entranhada na natureza humana este instinto advindo dos “lobos” do dia-a-dia.
    Eu também gostaria de ser mais dócil, pacífica e calma. As vezes, voluntariamente ou inconscientemente acabo despejando em entes queridos o “grito” que ecoa contra os supostos lobos que me perseguem. Nem sempre posso ou consigo reagir contra eles. Aí sobra pra quem tá mais perto ou simplismente somatiza-se no meu corpo, causando um turbilhão de sensações, na maioria das vezes, negativas.
    Esta paz só nos momentos que nos chegamos a Ele. Tenho que orar mais. rs
    Nele.

  • Ree

    “Como seria melhor ter carneirinhos passeando no meu peito. Sentimentos fofos e pacíficos massageando a minha mente e o meu sistema linfático e gástrico. Ah, que paraíso seria.” Ahhhhhhh… a fofura é tudo o que queremos, pra que espinhos???

    Os 2 últimos parágrafos então… é assim mesmo… Somos normais, Bispo, nossa natureza adâmica grita por limites e pela Graça do Pai. Ele é tão bom que nos deixou nascer de novo por Seu Filho e, por Jesus, o Senhor nos entende, pacifica e sara – são tantos esgarçamentos!!!

    Graças a Deus por seus textos, sua postura e exemplo. Queremos ser cristãos, evangélicos, crentes assim, honrando a Deus em todo tempo, ainda que entre uivos, lágrimas e dores.

  • É redundante , mas vou dizer que o senhor é normal e graças a Deus por isso!! É horrível lidar com pessoas que pensam que não são normais, ou seja, gente que se acha ‘acima da média medíocre’, que, em função inclusive da ‘função’ pastoral / ministerial, já se tornou intocável pelos lobos!! Se acostumam a ‘vender seu peixe’ podre, cheio de fanatismo, aparências, achando que assim estarão, quem sabe, atraindo pessoas(gente normal como eu e vc) a Deus! E acabam por afastá-las , porque muitas delas só querem perceber que não estão ‘abaixo’ de ninguém, que somos, paradoxalmente, diferentes e muito iguais. Afinal, totalmente humanos… e por isso mesmo, carentes da graça e poder do Espírito para nos dar ‘sustentação’, nos ajudar nas nossas fraquezas.
    Pobre é aquele que não enxerga, não reconhece esta realidade e vive uma vida somente de lutas, stress, desesperançada e que só encontra um certo refúgio nos ‘rivotris’ ou em cada gole de bebida ou qualquer outra coisa que possa ser entorpecente, da alma agoniada e inquieta. E ainda julgam os que buscamos em Deus nossa força e nele nos refugiamos, como ‘pessoas fracas’! Quero ser sempre um ‘fraco’ , pois o Seu poder se aperfeiçoa na minha fraqueza, e isso é o que verdadeiramente importa. Afinal, não sou/somos melhores que o “grande” apóstolo Paulo, que assim se declarava!
    Paz!!

  • Bispo antes de ser cristã eu era pavio curto me convertir a minha vida mudou parei de gritar de agridir todos ficaram maravilhados comigo confesso que fiquei um pouco confusa mas com o passar do tempo não aguentei os meus filhos me irritaram tanto que chutei balde ,janela,lata e portas. ai eles gritaram que especie de cristã voce é? isso nãoé coisa de cristão vou falar com o pastor la em casa os meus filhos ñao são cristão eu fiquei arrazada mas lendo o seu blog amei estou em paz eu me refugio no senhor pos ele é a minha força e consolador pedindo perdão.

  • Um homem de Deus apela para homens que desejam ser verdadeiros cooperadores de Deus. Não super-homens, não homens dotados de certa posição cristã; mas homens segundo a norma cristã, que através da disciplina foram postos em harmonia com a própria natureza de Deus e que, por essa razão, podem cumprir a vontade de Deus quanto ao mundo atual. O texto concebido pelo sr. Bispo Walter, é fruto de constatações que afligem a maioria dos homens e mulheres comprometidos com as premissas do Cristianismo. Penso que aqueles que foram separados pelo Senhor para o exercício da liderança nas diversas partes que compõem o Corpo de Cristo acabaram, com o passar do tempo (e tb com muitos equívocos através da história) concebendo a idéia da necessidade de mudanças, transformando-se então, numa espécie de “exército de um homem só”, “superpastores” ou “pastores de aço” e, como sabemos, essa independência, ou necessidade de caminhar só (uma espécie de blindagem…), sem alguém apto a prestação de cuidados a este líder, só gera mazelas e problemas…Entendi o texto, além do desabafo desvelado, tb como um alerta para aqueles que se enquadram neste perfil. Momentos de reflexão e desabafo como esses são necessários para a manutenção da caminhada rumo ao Alvo, representado por Jesus Cristo. Mais uma vez, vamos prosseguir combatendo o bom combate, guardando e propagando a fé em Cristo. Grande abraço!

  • Olá Bispo..Graça e paz!!

    Entendo bem suas palavras..Essa luta contra nossa carne é diária..Somos barros frágeis. Vulneráveis a ceder aos instintos quando estamos mais inquietos e cheios de tantos afazeres. Busquemos equilíbrio em Deus nas suas palavras. Procuremos a paz mesmo que as vezes os lobos queiram ferir por já estarem por demais exaustos dentro de nós..Parabéns pelo texto..

  • É bispo, normal.

    Tiago 1:12
    Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam.

  • Se é normal??!!!
    Se não for terei de começar a me preocupar, pois parece que não falava de si mesmo, mas de mim…
    Somos normais?! Creio que sim. Homens normais que carecem da doce graça e paz de nosso Senhor Jesus! Sigamos em frente com nossas normalidades confusas e contrárias… Recebamos força e fé na caminhada… “Como mais disciplinados” busquemos ao Senhor em oração! Ele faz adormecer o lobo dentro de mim..
    Na Paz!

  • É verdade Bispo! Hoje de manha mesmo, quando ia para o trabalho, pensando sobre nossa natureza pecaminosa, refleti: O estrago que o pecado fez em nós foi tão profundo, que à restauração, Jesus chamou de Novo Nascimento! Só o Novo Nascimento em Cristo nós trará paz com Deus e em Deus!
    PAZ!

  • Bispo! Graças a Deus somos normais. Triste são aqueles que pensam que são super-heróis porque são crentes, nada pode abalá-l0s …pelo contrário, Jesus falou que no mundo teríamos aflições… a diferença de nós para aqueles que não tem Jesus é que Ele prometeu que estará conosco todos os dias até a consumação dos séculos. Amém.