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Devemos batizar pessoas autistas?

autismo Ao longo dos séculos e das grandes mudanças mundiais; do surgimento, da plenitude e da queda das civilizações, o homem vem redefinindo o que é o ser humano. Não foi apenas o salmista quem perguntou, “Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes?” (Sl 8). Claro que Davi fez a pergunta a Deus. Mas o ser humano nem sempre se volta para Deus como a fonte do seu saber. Aliás, muitos se voltam apenas para si mesmos. Também não é como se todo século fosse tão introspectivo a ponto de perguntas como essas estarem sempre na linha de frente dos pensadores. Houve épocas em que nem pensadores haviam. O hunos varreram cidades e nações na ânsia da conquista. A humanidade à sua frente não passava de relva a ser ceifada e queimada nas fogueiras da sua insana ambição.

Mas a experiência moderna trouxe o ser humano para o centro do palco, pôs um holofote sobre ele e fez do indivíduo a medida de tudo. A experiência moderna afirmou a humanidade como o epicentro da existência e, paradoxalmente, a desumanizou como poucas vezes na história.

Os romanos do primeiro século consideravam os recém-nascidos pessoas indignas de vida. Se uma mulher romana desse à luz uma menina, havia uma boa chance de essa criança ser deixada nua, a céu aberto, até que morresse de insolação ou frio. Qual não foi a surpresa dos romanos ao descobrir que cristãos costumavam socorrê-las, criando-as como se fossem suas. Ou as viúvas que eram deixadas para morrer de fome, pois seus filhos já não podiam ou não queriam mantê-las. Novamente a Igreja se deu ao trabalho de cuidar delas. Tiago diria que a religião verdadeira é isto: cuidar de órfãos e viúvas e se manter livre da corrupção do mundo.

Mesmo séculos antes de Cristo, crianças eram oferecidas em sacrifício ao deus Moloque, para garantir boas colheitas ou vitória nas batalhas. Sua humanidade era inconsequente. Assim como a humanidade de inúmeras filhas, usadas como moeda de troca e oferecidas em casamento a reis para selar tratados políticos.

Os americanos, na sua experiência colonial, consideravam os negros como uma espécie abaixo dos homens — animais semirracionais, que serviam apenas para trabalho pesado. Isso foi assim até que um presidente cristão, Abraham Lincoln, fez questão de lutar pelos direitos e a liberdade deles.

Em tudo isso, a Igreja foi tanto vilã, como, por vezes, heroína. E, durante todas essas mudanças, surgiu a pergunta: como esses seres se relacionam com Deus? São seres humanos, afinal? Sim, porque houve quem cresse que negros sequer tinham almas eternas.

Então pergunto: o que nos qualifica como seres humanos? O que fazer com pessoas que nos parecem menos do que seres humanos racionais — plenos, no sentido de nossos dias? Porque o ser humano moderno é, acima de tudo, um ser racional. Foi o filosofo francês René Descartes quem disse Cogito ergo sum, ou “penso, logo existo”. E quem não pensa não existe? Pergunto: quem sofre de esquizofrenia ou autismo pensa? Tem uma alma racional? Seu relacionamento com Deus pode sequer existir sem credo, sem confissão? Há cientistas que argumentam em favor do aborto dos que são diagnosticados com esses e outros males ainda no ventre da mãe. O argumento é que não são plenamente humanos. Sim, pois o ser humano é alguém plenamente racional.

Então, como o credo-batista que sou, afirmo batismo para quem racionalmente recebe a proclamação do Evangelho (mesmo sabendo que esta ciência é concedida pelo Espírito Santo) e crê em seu coração, sendo capaz de dar razão pela esperança que tem. Mas e os que andam, vivem, choram e estão entre nós, os da casa de fé? Esses que precisam de cuidados para se alimentar e até para usar o banheiro? Estão fora do alcance da graça de Deus por não poder se expressar racionalmente?

Pondero essas coisas pois acredito que a graça de Deus é mais larga do que a nossa mente limitada imagina. Pondero essas coisas porque vejo a Igreja se tornar um ringue de luta livre em torno de ideias, ao ponto de pessoas desqualificarem umas às outras por uma divergência de doutrina.

Não me entenda mal. Sou defensor de sã doutrina. Estudo, escrevo e me gasto na vida da mente. Mas essa única pergunta sobre o batismo de quem tem autismo ou esquizofrenia me faz parar e pensar. Mais ainda do que isso, me tirou o fôlego. Tremo. Chego a ter medo por eles e por mim. Será que a Igreja não sabe cuidar desses pequeninos? Será que temos nos tornado tão racionais que não enxergamos uma humanidade amada por Deus ao nosso lado? Onde estão a graça e a misericórdia da Igreja que salvava meninas, consideradas menos dignas da vida, da exclusão romana? Onde está a Igreja que socorria as viúvas que eram consideradas absolutamente descartáveis? Onde está a Igreja que ensinava os negros a ler a Bíblia quando a maioria nem os considerava ser humanos? Continuo em estado de choque. Confesso.

Talvez o que mais me assombre seja o que eu diria para uma mãe cuja filha tem paralisia cerebral. Se me perguntasse, ou se perguntasse a você “devo criar esta minha criança, trocar as suas fraldas, alimentá-la, e niná-la antes de dormir somente para sua perdição no final ou Deus tem um lugar para ela conosco no céu?”… o que teríamos a lhe responder? Quem sabe os teólogos intrépidos de plantão poderão me ajudar, pois estou perante um dilema. E o temor a Deus me compele ao silêncio e às lágrimas. Meu coração parte. Mas, estranhamente, sinto-me um pouco mais perto do coração de Deus.

Na paz,

+W

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